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Jovens Líderes do Paraná: notebooks entregues, sonhos despertados

Uma hora, isso tinha que acontecer...



Camilla, estudante do último ano do ensino médio, no Assentamento Celso Furtado, área rural de Castilho/SP.
Camilla, estudante do último ano do ensino médio, no Assentamento Celso Furtado, área rural de Castilho/SP.

Passava das 20h quando um carro me esperou numa das entradas de terra à beira da rodovia Marechal Rondon. Segui o veículo e fui visitar a casa da Camilla, estudante do último ano do ensino médio, no Assentamento Celso Furtado, área rural de Castilho/SP. Foi a última entrega de notebook para 12 jovens que participarão da formação de liderança ambiental, projeto idealizado e executado pela ONG Rio Paraná, com aporte financeiro da Auren Energia.


Naquela altura, eu já tinha rodado mais de 700km e percorrido as cidades nas margens paulista e sul-mato-grossense, que integram a iniciativa: Três Lagoas, Brasilândia, Bataguassu, Santa Rita do Pardo, Anaurilândia e Batayporã, em MS. Rosana, Teodoro Sampaio, Presidente Epitácio, Panorama, Paulicéia e Castilho, em SP.


De lá e de cá do rio – ressaltando que de cá é MS, onde moro – encontrei jovens proativos, empolgados e interessados em conhecer mais sobre meio ambiente e, principalmente, sobre este corpo de água que faz parte das suas rotinas de lazer, mas que ainda é, para eles, um gigante desconhecido em potencialidades sócio-ambientais.


Um rio que nos conecta, mas que nem sabemos disso direito. Mas uma coisa é certa: essa geração e suas famílias têm algo em comum: querem que o Paranazão fique limpo, vivo e que colabore com as riquezas e desenvolvimento, mas de forma sustentável. Por isso, eles aceitaram o desafio de estudar e entender mais sobre ele.

A minha viagem começou por Brasilândia, onde entreguei o notebook da Valentina. Na cozinha da casa, me encontrei também com parentes dela. E ouvi relatos preocupados de quem frequenta a área rural, a trabalho: é visível que as nascentes estão secando. Como assim? Olha aí, uma emergencial pauta para se discutir, afinal estas nascentes são as que abastecem o rio que nos une a partir de agora.



Na sequência, fui recebida pelo Augusto e seu pai. Mais uma vez, foram relatadas questões importantes, como destinação de resíduos sólidos e descobri que a cidade deles, Bataguassu, “exporta” o lixo para o aterro sanitário de Três Lagoas, uma operação cara e difícil. Conversa vai, conversa vem, ele me contou que auxilia o pai, no empreendimento que presta assessoria comercial, implantando inteligência artificial nos estabelecimentos. E eu expliquei para eles, como a todos, a magnitude do projeto, falei do valor que recebemos da Auren e o que esperamos ao final, da forma mais transparente possível.


Já em Anaurilândia, tive que aguardar o João Lucas, por alguns minutos, para entregar o equipamento. Ele estava maquiando uma noiva, em um dos quartos de casa, transformado em seu salão de beleza. O jovem participa de tudo na vida da escola e da igreja, viaja como saxofonista, para tocar na banda municipal, e agora vai se jogar também na missão de liderança ambiental, já sonhando em implantar projetos junto com seus colegas da escola.


Em “água bonita”, quero dizer, em Batayporã, descobri o belo significado do nome do município e também o significado de proatividade. Os pais viajaram, o responsável legal era o irmão mais velho e o Marcos Vinícius, tinha assado, ele próprio, os pães de queijo que nos ofereceram. Responsabilidade, por lá, se pratica desde cedo.

Sai de MS, atravessando o rio pela usina hidrelétrica Sergio Motta e dormi em Rosana. No dia seguinte, o Cauã, que mora no distrito de Primavera, praticamente na última rua, me recebeu para o café da manhã, contou que vem de família de longa relação com o rio e todos também deram suas impressões sobre as necessidades de cuidados e sustentabilidade. O pai dele me ensinou uma forma de cortar caminho. Segui.


Na sequência, a entrega para a Isabela, em Teodoro Sampaio. Ela é a líder do grêmio estudantil e logo propôs que a ação de educação ambiental seja estendida a todos os nonos anos da sua escola, mesmo que de forma virtual.

Para ela, educação e conhecimento “são prioridade” e esta faixa etária precisa se atentar à sustentabilidade.

Ensinaram mais um caminho alternativo e lá fui eu, pela estrada que cruza o Parque Estadual do Morro do Diabo, uma formação que se destaca na plana região do extremo oeste paulista.

Parque Estadual Morro do Diabo visto da estrada
Parque Estadual Morro do Diabo visto da estrada

Em Presidente Epitácio, conheci o mascote do projeto: o Miguel, de apenas 11 anos. Ele me recebeu de sorriso muito aberto, olhos brilhantes e a típica empolgação de uma criança ativa. Aliás, os irmãos menores e a irmã mais velha, todos pareciam ser meus sobrinhos e estarem esperando por minha chegada. Uma família de comunicação fácil e o Miguel se destaca, até brincam que ele é um “mini vereador” porque se integra em tudo.  Inclusive, até o prefeito da cidade já foi notificado que ele será o representante nesta jornada do conhecimento ambiental.


Mais alguns quilômetros e eu me assustei ao chegar em Panorama. Antes de achar o endereço da Heloísa, com meu companheiro Waze, passei por três cerâmicas que estavam a pleno vapor, lançando fumaça densa e preta no ar, mesmo sendo um domingo, 7 de setembro.


A nossa futura líder e sua família também me contaram que a cidade tem pelo menos 42 destas empresas extrativistas e emissoras de gás carbônico funcionando por lá. Também disseram que a queima é de resíduos de madeira, o pó de serra, e não mais de toras de árvores, como uma medida para amenizar os impactos.


Cêramica em Panorama/SP : Em 2015, o Ministério Público de São Paulo ajuizou ações contra diversas empresas da região para impedir a continuidade da poluição.
Cêramica em Panorama/SP : Em 2015, o Ministério Público de São Paulo ajuizou ações contra diversas empresas da região para impedir a continuidade da poluição.

Mas isso não sei se isso chega a ser atingido, porque as casas vivem com fuligem e há problemas respiratórios, tanto lá em Panorama, quanto na vizinha Paulicéia, a cerca de apenas seis quilômetros. Essa é a cidade do Mauro e, segundo me foi relatado, abriga outras 36 cerâmicas. A mãe me contou que ele é outro “mini vereador”, sempre envolvido nas ações que são desenvolvidas na escola. E ele? Disse que está super ansioso para iniciar as aulas.


Enfim, saindo de Paulicéia, dirigi no trecho mais longo entre uma localidade e outra, um percurso com mais caminhões, o único em que vi plantações de cana e sinais de queimadas ao longo da estrada, até chegar a Castilho e interagir com a família da Camilla, no lote do assentamento onde residem vários parentes.


Atravessei a ponte sobre o Paraná, que liga SP a MS e voltei para Três Lagoas “meu solo”. Dia seguinte, foi a vez de entregar os notebooks do Samuel, que representará Santa Rita do Pardo, e do Mateus, único maior de idade, representante de Três Lagoas.


Samuel já trilha caminhos para participar da vida comunitária e política. Mateus, universitário no curso de geografia, já trilha o caminho da militância ambiental, participando de uma ONG, tem uma filhinha de um ano, e todo o ânimo de proporcionar a ela e à sociedade um planeta habitável e socialmente justo.


Ao pensar que percorri estes quilômetros, vivendo e conhecendo experiências diversas, histórias de vida de gente simples, de alunos de escolas públicas que passam a ser referência como futuros líderes, sorri ao me lembrar que a gente “perde” uma hora quando vai para SP e “ganha” uma hora ao voltar para MS, devido ao fuso-horário. Na minha infância, isso era curioso, sempre nos lembrávamos disso. 

Porém, nesta viagem, ao voltar para casa, não ganhei apenas uma hora. Ganhei, mesmo, um fôlego novo ao conhecer tantas realidades e tantos sonhos de um mundo melhor. Ganhei a certeza de que estamos construindo um caminho necessário, de ensinar a quem herdará o futuro, a como se instrumentalizar para chegar nele de forma melhor. Espero que, ao final do projeto Jovens Líderes do Paraná, tenhamos tirado um pouco do atraso de décadas e que, ainda haja tempo suficiente para ações que reduzam os impactos atuais e que impeçam novos danos aos nossos ambientes locais e ao globais.


Uma hora, isso teria que acontecer. E está acontecendo.

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